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Textos - Miguel Gontijo

Rondó

 

 

Eu sou um pintor (ponto!)

 

Para pintar um quadro pensamos em estruturas narrativas, conectamos eventos e emoções e instintivamente a transformamos em uma imagem que pode ser entendida.

Peritos acreditam que essas nossas invencionices vão além de nossa capacidade de nos manter entretidos. E é mesmo!

 

Mauro Silper é um pintor (ponto!)

 

Silper é irmão de Eckhout, de Frans Post, perdido no futuro dos tempos, a examinar nossa terra com outros olhos viajantes. Ele possui o desejo de encontrar no coração do mundo da realidade e da sacralidade, a condição sobre-humana existente na paisagem que o cerca. Suas pinturas deixam refletir uma espécie de suma na qual se condensa e atualiza toda a pintura de paisagem que antes dele se fez. Seu trabalho parece encerrar o drama do artista antigo, medieval e moderno, do qual todos nós descendemos. Enfim, existe entre a sua alma e a paisagem uma relação estreita que sobrevive no sopro da poesia. Nos seus quadros as coisas mais naturais estão envolvidas numa névoa mágica. São lugares em que não se vive: estão reservados ao êxtase.

 

Mauro Silper é um músico (interrogação)

 

Talvez o artista viva num desvio de rota e seja um músico. Um músico para os olhos. ‘Rondó alla turca’ é o último movimento da sonata em lá maior de Mozart. Rondó é um tipo de estrutura musical que repete o tema central em melodias sem muitas variações. As pinturas de Silper, como num rondó, voltam-se a si mesmas numa estrutura capaz de quebrar-se em micropartículas que transcendem qualquer estruturalismo. Está sempre a fim de chegar a lugares novos, acordando sempre diferente. Para que isso aconteça as cores e as paisagens do artista não se digladiam sem que, a par disso, componham em um dueto que as sustenta em suas levezas.

 

Mauro Silper é um poeta (ponto!)

 

Seja pelo seu aspecto físico contido e formal, seja pela pintura que ele nos apresenta, a sua aventura plástica me parece que é uma inspeção despreocupada do visível. Um poeta recenseador de paisagens (ou, talvez, um colecionador de experiências),

cujas imagens nos transmitem um silêncio lapidário, a transformar cada detalhe numa espécie de espectro. É como se uma cortina de umidade avançasse sobre a paisagem fazendo o ar perder sua qualidade luminosa. Aqui e ali pontos de luz dirigem nossos olhos.

Tudo vivo, íntimo, acolhedor.

Podemos sentir o cheiro da terra molhada e até mesmo sentir o gosto da cor das coisas, pois nada mais nos liga à terra.

Tempo e lugar são variáveis da mente.

No fundo tudo é ininteligível e só nos resta, como espectador, remendar um poema entrando numa das infinitas brechas que Mauro nos oferece como pista, deixando-nos perder, a todo instante o sentido do mundo.

Nada é mais visível do que aquilo que está oculto.

Quando pintamos um quadro é porque queremos compartilhar com os nossos semelhantes e chegamos até polir as bordas ásperas de nossas vidas para que pareçam íntegras. Nossas artes fazem de nós as pessoas que somos e, até as pessoas que queremos ser. Elas nos dão nossa identidade e um senso de comunidade.

E, acreditem! podemos até nos fazer felizes.

Luminescências.

 

Mauro Silper é um pintor (reticências)

 

Miguel Gontijo

Artista Plástico

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